No
segundo capítulo do presente trabalho, de maneira sucinta,
abordou-se a propriedade sob um contexto genérico, seu conceito,
histórico, caracteres e atributos.
Enfatiza-se agora, dentre os atributos estudados, o jus
fruendi, ou, na tradução jurídica de melhor compreensão, o
direito de usar ou gozar da coisa, pois é dele
que decorre o direito de construir, no entanto, como é sabido, e
menciona Venosa, esse direito não é absoluto, porquanto se sujeita
ao interesse público, em prol da comunidade e da vizinhança.[45]
O
artigo 1.299 do Código Civil de 2002, na Seção VII, inaugura o
direito de construir, com a seguinte expressão “O proprietário
pode levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver,
salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos”.
A
regra é a liberdade de construir, e a exceção, as limitações.
Entende-se, neste sentido, que a busca pelo fim social da
propriedade prevalece. Assim esclarece Venosa:
O sentindo
continua a ser sempre o da busca pela finalidade social da
propriedade, o equacionamento do direito individual com o direito
social. Deve ser entendido, no entanto, que a liberdade de
construir é a regra. As limitações, como exceção, devem vir
expostas pelo ordenamento. Essa utilização da propriedade deve, da
mesma forma, sempre ser examinada em consonância com a regra geral
de vizinhança do art. 554 ou art. 1.277 do atual Código, que
reprimem o mau uso ou uso anormal da propriedade, quando ocasiona
prejuízo à segurança, sossego e saúde da vizinhança. Aplicamos a
esse respeito tudo o que foi exposto sobre o uso nocivo da
propriedade.[46]
E
conceitua construção:
Deve ser
entendida como construção toda realização material sobre o imóvel
decorrente de atividade humana. Desse modo, também são construção
a edificação ou reforma, a demolição, o levantamento de muros, a
escavação, o aterro, etc.[47]
4.1
Limitações de ordem pública e de ordem privada
Carlos Roberto Gonçalves distingue as limitações de ordem pública,
das limitações de ordem privada, nos seguintes termos:
As limitações de
ordem pública são impostas pelos regulamentos administrativos e
geralmente integram os códigos de posturas municipais. Têm em
vista considerações de caráter urbanístico, como altura dos
prédios e zoneamento das construções conforme a finalidade,
impedindo a construção de edifícios de grande porte e de fábricas
em bairros residenciais, bem como considerações relacionadas à
segurança, higiene e estrutura dos prédios.
Já as limitações
de direito privado constituem as restrições de vizinhança,
consignadas em normas civis ou resultantes de convenções
particulares. Assim, por exemplo, “não é lícito encostar à parede
divisória chaminés, fogões, fornos” suscetíveis de produzir
interferências prejudiciais ao vizinho (CC, 1.308), nem construir
de maneira que o seu prédio “despeje águas, diretamente, sobre o
prédio vizinho” (art. 1.300).[48]
Relativamente aos regulamentos administrativos, explica Maria
Helena Diniz, que o proprietário que deseja construir deverá
observar as normas administrativas:
a) que proíbem a
construção de casa de taipa, palhoças e mocambos; de edifícios de
elevados gabaritos; de fábricas ou estabelecimentos comerciais em
zonas residenciais; de edificações nas proximidades de aeroportos
e das fortificações; b) que impedem a demolição de prédios ou
monumentos históricos; c) que exigem que as construções sejam de
determinado tipo ou conservem certo recuo lateral ou do
alinhamento da rua; d) que impõem o acatamento às regras de
higiene, estética e solidez.[49]
O
Estatuto da Cidade, autodenominação conferida à Lei 10.257/2001,
regulamenta os artigos 182 e 183 da Carta Magna que estabelece as
diretrizes gerais de política urbana. Tal Estatuto, por sua vez,
atribui aos municípios a competência para criar suas normas
urbanísticas e seu plano diretor, com preceitos a serem
observados, os quais, entre outras normas, estabelecem direitos e
limitações à construção.[50]
Caio Mário da Silva Pereira, referindo-se ao artigo 1.300, explica
que o proprietário, ao edificar, deverá evitar que o beiral do
telhado despeje águas sobre o prédio vizinho, precavendo-se
aquele, através de calhas ou similares para os mesmos fins, ou, na
impossibilidade do uso de tais meios, que deixe um espaço entre os
prédios para essa finalidade.[51]
4.2
Devassamento da propriedade vizinha
No
artigo 1.301 do Código Civil, o legislador, com o propósito de
preservar a privacidade no imóvel vizinho, estabeleceu uma
importante proibição:
É defeso abrir
janelas, ou fazer eirado, terraço ou varanda, a menos de metro e
meio do terreno vizinho.
§1º As janelas
cuja visão não incida sobre a linha divisória, bem como as
perpendiculares, não poderão ser abertas a menos de setenta e
cinco centímetros.
§2º As
disposições deste artigo não abrangem as aberturas para luz ou
ventilação, não maiores de dez centímetros de largura sobre vinte
de comprimento e construídas a mais de dois metros de altura de
cada piso.
Explica Sílvio Venosa que a limitação imposta pelo legislador no
referido artigo 1.301 é negativa, tem por finalidade impedir a
visão interna do prédio vizinho, resguardando, destarte, a sua
privacidade. Observa, no entanto, que se houver entre as duas
propriedades, rua, estrada ou caminho, as restrições do artigo
mencionado não serão aplicadas. Lembra ainda que havendo interesse
particular, como o do loteador ou empreendedor de um loteamento
fechado, restrições mais abrangentes com esses objetivos poderão
ser opostas, obtendo caráter obrigatório com o registro
imobiliário.[52]
Com relação à distância aludida no caput do artigo 1.301,
Gonçalves orienta que tal distância de metro e meio deve ser
contada não do edifício vizinho, mas da linha divisória.[53]
Já
no tocante ao parágrafo primeiro do artigo 1.301 do Código,
Venosa, comparando com o Código de 1916, elucida:
No tocante às
janelas ou varandas referidas na segunda parte do art. 573, a
distância de metro e meio é do Código de 1916. O Código mais
moderno refere-se a setenta e cinco centímetros. Essa distância
deve ser contada da linha divisória do imóvel e não de outra
janela. É distância mínima que a postura municipal ou a vontade
privada pode aumentar. As janelas ou similares são proibidas nessa
distância tanto se se situarem diretamente em frente do prédio
vizinho, como obliquamente (...)[54]
Acrescenta Maria Helena Diniz que havendo um muro capaz de vedar a
intimidade dos vizinhos, poderão ser abertas janelas com distância
mínima de setenta e cinco centímetros, mesmo que diretamente
voltada ao imóvel contíguo ou perpendicular a linha divisória,
todavia ressalta que essa possibilidade não compreende terraço ou
varanda.[55]
A
Súmula 414 do Supremo Tribunal Federal, dando maior esclarecimento
ao artigo 1.301, assim dispõe:
Não se distingue
a visão direta da oblíqua, na proibição de abrir janela, fazer
terraço, eirado ou varanda, a menos de metro e meio do prédio de
outrem.[56]
4.3
Aberturas para luz e ventilação
O
§ 2º do artigo 1.301 do Novo Código não proíbe as aberturas para a
entrada de luz ou ventilação, mas estabelece que não pode
ultrapassar dez centímetros de largura por vinte centímetros de
comprimento, devendo ainda serem construídas acima de dois metros
de cada piso.
De
acordo com Maria Helena Diniz, se as aberturas para luz ou
ventilação forem construídas em dimensões maiores que as
previstas, serão compreendidas como janelas, e o proprietário
vizinho poderá impugná-las, pois estarão violando a intimidade
vizinha.[57]
4.4
Desfazimento da obra
O
artigo 1.302 faculta ao proprietário lesado exigir o desfazimento
da obra que lhe causou prejuízo, desde que observado o prazo
decadencial de ano e dia previsto no Código:
O proprietário
pode, no lapso de ano e dia após a conclusão da obra, exigir que
se desfaça janela, sacada, terraço ou goteira sobre o seu prédio;
escoado o prazo, não poderá, por sua vez, edificar sem atender ao
disposto no artigo antecedente, nem impedir, ou dificultar, o
escoamento das águas da goteira, com prejuízo para o prédio
vizinho.
Parágrafo único.
Em se tratando de vãos, ou aberturas para luz, seja qual for a
quantidade, altura e disposição, o vizinho poderá, a todo tempo,
levantar a sua edificação, ou contramuro, ainda que lhes vede a
claridade.
Venosa explica que o prazo de ano e dia conta-se a partir do
término da obra, acrescentando que se a ação for proposta durante
os trabalhos de construção, cabível será a nunciação de obra nova,
se, porém, a obra já estiver concluída, caberá a ação demolitória.
Ressalte-se que transcorrido o prazo de ano e dia, nasce para o
construtor da janela ou similar, o direito de mantê-la, todavia,
tal direito não se constitui como servidão, o que não impedirá o
proprietário vizinho, que foi prejudicado pelo transcurso do
prazo, de construir na divisa de seu terreno, mesmo vedando a
claridade do imóvel já construído.[58]
4.5
As paredes divisórias
No
artigo 1.304, o Código permite ao proprietário do imóvel contíguo,
observando determinadas circunstâncias, travejar a parede vizinha,
ou seja, construir apoiando na parede confinante, tal dispositivo
assim se expressa:
Nas cidades,
vilas e povoados cuja edificação estiver adstrita a alinhamento, o
dono de um terreno pode nele edificar, madeirando na parede
divisória do prédio contíguo, se ela suportar a nova construção;
mas terá de embolsar ao vizinho metade do valor da parede e do
chão correspondentes.
A
possibilidade acima somente se dará, segundo Venosa, nas cidades,
vilas ou povoados em que a construção se submeta a alinhamento,
além do mais, para tanto, a parede a ser travejada deverá
suportar, e o proprietário que dela se utilizar, deverá fazê-lo
somente até o meio de sua espessura devendo ainda embolsar o outro
proprietário a metade do valor da parede e do chão utilizado.[59]
Maria Helena Dinizlembra que se o vizinho utilizar a parede do
imóvel contíguo pagando metade desta ao outro proprietário, nos
termos do artigo 1.304, tornar-se-á co-proprietário da parede e do
solo, não se falando em servidão.[60]
O
caput do artigo 1.305, por sua vez, compreende o vizinho que
primeiro construir e explica a possibilidade de utilizar parte do
terreno contíguo, bem como prevê a hipótese de caução, quando já
houver uma parede divisória pertencente a um dos confrontantes:
O confinante que
construir em primeiro lugar pode assentar a parede divisória até
meia espessura no terreno vizinho sem que, por isso, perca o seu
direito de haver meio valor dela, se o vizinho a travejar.
Hipótese em que o primeiro fixará a largura e profundidade do
alicerce. Se a parede divisória pertencer a um dos vizinhos e não
tiver capacidade para ser travejada pelo outro, não poderá este
fazer-lhe alicerce ao pé, sem que preste caução pelo risco a que a
nova obra exponha a construção anterior.[61]
Inobstante a clareza do artigo 1.306, Caio Mário da Silva Pereira,
facilita ainda mais a sua compreensão, orientando que o condomínio
da parede-meia deverá ser exercido com certa cautela, devendo o
vizinho condômino utilizá-la até meia espessura, avisando com
antecedência o outro sobre as obras que pretende realizar, e,
sobretudo, cuidando para que não haja riscos com a segurança e a
separação dos prédios. Esclarece ainda que mesmo ante a existência
de armários ou semelhantes no outro imóvel, o vizinho que depois
construir não poderá o mesmo fazer, sem autorização expressa do
outro confinante.[62]
O
artigo 1.307 faculta ao vizinho elevar a parede divisória ou
reconstruí-la, para suportar o alteamento, mas deverá o
interessado suportar sozinho as despesas, bem como os gastos com a
sua conservação. Todavia, se o outro proprietário confinante
adquirir a meação da parede, dividirá com este as despesas,
segundo as normas de condomínio de parede-meia, como já visto nos
artigos anteriores.[63]
No
próximo artigo, (art. 1.308, CC), o legislador adverte sobre a
construção de chaminés, fogões, fornos ou quaisquer outras
benfeitorias capazes de prejudicar o vizinho, quando encostadas à
parede divisória.
A
esse respeito, Caio Mário tece alguns comentários:
Não é lícito
encostar na parede do vizinho, nem tampouco à parede-meia, fornos
de forja ou de fundição, aparelhos higiênicos, fossas, canos de
esgoto, depósitos de sal ou qualquer substância corrosiva ou capaz
de causar dano, salvo consentimento expresso do interessado.
O dono de um
prédio que se ache ameaçado pela construção de chaminé, fogão ou
forno, não contíguo, ainda que seja comum a parede, tem o direito
de embargar a obra ou exigir-lhe seja dada caução contra os
possíveis prejuízos (caução de dano infecto). Mas nenhum
procedimento é cabível se se tratar de fogão ou forno de cozinha
ou de chaminés ordinárias (art. 1.308).[64]
4.6
Preservação de poços e nascentes
Nos artigos 1.309 e 1.310, o Código contempla mais uma vez a água
e preceitua algumas proibições referentes à poluição de nascentes
em decorrência da construção, nesse sentido comenta Maria Helena
Diniz:
São igualmente
ilícitas as construções que poluírem ou inutilizarem, para uso
ordinário, o uso de água de poço, ou nascente alheia, a elas
preexistentes (CC, art. 1.309), bem como as escavações ou obras
(canais, regos, sulcos etc.) que tirem ao poço ou à nascente de
outrem a água indispensável às suas necessidades normais (CC, art.
1.310). Contudo, serão permitidas se apenas diminuírem o
suprimento do poço ou da fonte do vizinho, e se forem mais
profundas que as deste, em relação ao nível do lençol d’água (Cód.
de Águas, arts. 96 a 98), desde que não cause prejuízo às pessoas
que se servem do manancial.[65]
4.7
O uso do imóvel vizinho
A
Carta Magna de 88, em seu artigo 5º, inciso XI, estabelece que a
casa é o asilo inviolável do indivíduo e que ninguém poderá
adentrá-la senão após a permissão do morador, ou nos casos de
flagrante delito, desastre, para prestar socorro ou por
determinação judicial, neste caso, durante o dia.
Excepcionalmente, quiçá relativizando a norma constitucional, por
questões de vizinhança em imóveis contíguos, o artigo 1.313 do
Novo Código Civil autoriza a entrada de estranhos numa
propriedade, mas expressa a condição de previamente avisar o
proprietário sobre sua entrada, que deverá ser permitida somente
sem duas situações: I) quando for necessária à reparação,
construção, reconstrução ou limpeza de sua casa ou muro divisório;
ou, II) para apoderar-se de suas coisas ou animais que lá se
encontrem.
O
parágrafo 1º do mesmo artigo amplia um pouco mais as hipóteses da
entrada do vizinho na propriedade alheia, para os casos de limpeza
ou reparação de esgotos, goteiras, aparelhos higiênicos, poços e
nascentes ou para aparar cerca viva.
Segundo em seu parágrafo 2º, o direito de o vizinho permanecer
naquele imóvel, depois de entregues seus pertences e animais,
estará cessado, e sua permanência ali poderá ser impedida pelo
morador ou proprietário.
Por fim, prescreve o parágrafo 3º que quaisquer danos causados
pela entrada do vizinho no imóvel alheio deverão ser ressarcidos.
Sílvio Venosa explica sobre a obrigação de tolerar a entrada do
vizinho:
(...) O
proprietário ou possuidor é obrigado a tolerar essa visita a qual,
no entanto, deve ser regulamentada entre as partes e provir de um
aviso prévio como está na lei. A recusa injustificada dessa
permissão de ingresso necessário pode acarretar o recurso ao
Judiciário, que deverá assegurar prontamente o direito conforme as
necessidades apontadas. Há situações de urgência que nem mesmo
permitem o pedido de autorização e se aproximam ou constituem
estado de necessidade. Assim, por exemplo, o rompimento de esgoto
ou cano d’água, a iminência de incêndio ou ruína, entre tantas
outras situações, podem exigir o ingresso imediato do vizinho ou
de alguém por ele indicado para efetuar os reparos.(...)[66]
4.8
A responsabilidade pelo dano causado
O
Código Civil em seu artigo 1.311 proíbe quaisquer obras ou
serviços capazes de causar deslocação de terra, desmoronamento ou
prejudicar a segurança do imóvel contíguo, mas permite sejam
feitas em casos necessários, condicionando sua execução à
realização antecipada de obras acautelatórias. O parágrafo único
dessa norma ressalta que em caso de dano, mesmo após a realização
das obras acautelatórias, o proprietário deverá indenizar o
vizinho pelos prejuízos causados.
Venosa esclarece que essa previsão relaciona-se com a ação de dano
infecto, usada nas hipóteses em que a obra representa um risco à
segurança do prédio adjacente ou quando passível de causar danos
em determinada área.[67]
O
artigo 1.312 do Código Civil comina a quem infringir as
prescrições estabelecidas naquela Seção, obrigação de demolir a
obra feita, além de responder por perdas e danos.
Maria Helena Diniz, acerca da responsabilidade decorrente do
direito de construir, desta forma leciona:
O proprietário
que erguer qualquer construção, com infringência dos regulamentos
administrativos e dos direitos de vizinhança, estabelecidos do
Código Civil, causando dano a alguém, terá inteira
responsabilidade pelo fato, sendo obrigado a reparar o prejuízo.[68]
Sobre tal responsabilidade, bem explica o ilustre professor Silvio
Rodrigues:
A
responsabilidade, no caso, independe de prova de culpa, pois há
que se entender que o dono do prédio prejudicado não pode sofrer
dano pelo comportamento de seu vizinho, ainda que este atue sem
culpa. A idéia é a de que os vizinhos estão ligados por uma
obrigação legal de não se causarem, reciprocamente, quaisquer
prejuízos. De modo que, se por acaso um deles, ao erguer em seu
prédio determinada obra, provoca danos no prédio de seu vizinho,
sua responsabilidade se caracteriza, mesmo que tenha tomado todas
as cautelas para evitá-los, pois tal responsabilidade decorre da
mera relação de causalidade entre a obra nova e o estrago
verificado.[69]
Seguindo o sentido da doutrina dominante, Carlos Roberto Gonçalves
também se mostra favorável ao defender que para se pleitear a
indenização, necessário apenas que se prove o dano e o nexo causal
entre este e a construção vizinha. “(...) independentemente de
culpa de quem quer que seja, decorrendo exclusivamente da
lesividade ou da nocividade da construção ou de seus atos
preparatórios”.[70]
No
tocante às obras de construção, comumente executadas pelas
construtoras e engenheiros, Gonçalves atribui não somente ao
proprietário a responsabilidade pelo dano causado, como também aos
profissionais de engenharia e arquitetura, in verbis:
Desde que a
construção civil passou a ser uma atividade legalmente
regulamentada, e se tornou privativa de profissionais habilitados
e de empresas autorizadas a executar trabalhos de engenharia e
arquitetura, tornaram-se os construtores, os arquitetos ou a
sociedade autorizada a construir responsáveis técnica e
economicamente pelos danos da construção perante vizinhos, em
solidariedade com o proprietário que encomenda a obra.[71]
Observa, porém, que se o proprietário suportar sozinho a
indenização terá em seu favor ação regressiva contra o construtor,
quando os danos houverem sido causados por imperícia ou
negligência deste.[72]
5.
REMÉDIOS PROCESSUAIS
Nos capítulos anteriores foram abordados o direito de vizinhança e
o direito de construir, os sujeitos que podem figurar nos pólos
ativo e passivo, bem como a natureza das ações cabíveis para a
proteção do direito violado.
Todavia, a sua efetiva proteção, assegurada pelo direito material
conforme faculta o Código Civil de 2002, sem os instrumentos
adequados ao exercício do direito, não poderia ser exercida,
destarte, compete à legislação processual informar os
procedimentos cabíveis a cada caso, considerando de maneira
relevante o tipo de dano sofrido e o tempo em que ocorreu.
Sílvio Venosa ensina que após a ocorrência do dano, quando não
houver mais atos continuativos de perturbação, será cabível a ação
indenizatória, devendo ser provado pelo autor da ação o que
efetivamente perdeu, bem como o que deixou de ganhar, de maneira
razoável. No entanto, se o ato perturbador persiste, a ação
cabível será para obrigar o sujeito passivo da ação a fazer ou não
fazer, com cominação de multa diária.[73]
Sob o aspecto processual, indica ainda o autor supracitado, que,
havendo presença do fumus boni iuris e do periculum
in mora, o magistrado concederá medida liminar, tendo em
vista o seu poder de cautela, que se faculta às partes, por meio
da legislação processual.[74]
A base do direito
material para a ação está nos arts. 1.277 ss. Mais uma vez
enfatizamos que não há execução sem título. A lesividade e o uso
nocivo da propriedade são apurados no processo de conhecimento. O
pedido na petição inicial é para a execução obedecer aos
princípios da obrigação de fazer ou não fazer. Além da pretensão
de multa diária, que é fator constritivo para a cessação do
distúrbio, pode ser cumulado o pedido indenizatório. Quando não
for possível obter coercitivamente a cessação do distúrbio, porque
se atentaria com a própria liberdade individual, já que se impor
um limite temporal na astreinte, resumindo-se também ela em um
total final indenizatório. A multa diária tem natureza diversa da
indenização. É ato constritivo. Há de ser tal monta que torne
insuportável, inconveniente e intolerável ao réu a continuidade
dos atos molestadores. Esse o sentido da imposição. Não se obsta,
porém, ao juiz que reduza o valor exordialmente pedido. No
entanto, não devemos olvidar que a finalidade da multa é
constritiva e não indenizatória. Tanto assim que o pedido de multa
diária pode ser cumulado com o de indenização.[75]
Por critérios lógicos atinentes ao presente trabalho, serão
abordadas quatro ações mais comuns para a proteção dos interesses
decorrentes do direito de vizinhança em face do direito de
construir, são elas: a ação demolitória, ação de dano infecto,
nunciação de obra nova e, finalmente, a ação indenizatória.
5.1
Ação demolitória
A
ação demolitória visa especificamente à demolição da construção
que ameaçar ruína ou da construção que violar preceitos do direito
de vizinhança. Sua previsão material está nos artigos 1.280 e
1.312 do Código Civil:
Art. 1.280: O proprietário ou o possuidor tem direito a exigir do
dono do prédio vizinho a demolição, ou a reparação deste, quando
ameace ruína, bem como que lhe preste caução pelo dano iminente.
Art. 1.312: Todo aquele que violar as proibições estabelecidas
nesta Seção é obrigado a demolir as construções feitas,
respondendo por perdas e danos.
5.2
Ação de dano infecto ou caução de dano iminente
A
ação de dano infecto visa proteger a segurança, sossego e saúde
dos vizinhos que residem nas proximidades de determinado imóvel.
Sua base material está contida no artigo 1.277 do Código Civil,
que assim anuncia:
O
proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer
cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à
saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade
vizinha.
Parágrafo único:
Proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da
utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que
distribuem as edificações em zonas e os limites ordinários de
tolerância dos moradores da vizinhança.
Cabe ressaltar, entretanto, que essa ação tem caráter preventivo,
por isso também é conhecida como caução de dano iminente,
tal caução é autorizada pelo já aludido art. 1.280 do Código Civil
e contemplada pelos arts. 826 a 838 do Código de Processo Civil. A
caução de dano infecto poderá ser requerida como medida
preparatória de posterior ação demolitória ou em procedimento
autônomo, quando trabalhos perigosos forem executados em
determinada propriedade, bem como quando o estado da construção
oferecer riscos para a segurança, sossego e saúde dos vizinhos.
Araujo Júnior assim define essa ação:
A ação de dano
infecto tem cabimento naquelas situações em que o proprietário ou
possuidor de um imóvel esteja sofrendo, ou tenha justo receio de
sofrer, dano ou prejuízo pelo uso nocivo (barulho excessivo,
desordem, criação de animais, armazenagem de produtos perigosos,
tais como explosivos e inflamáveis, exalações fétidas etc.) ou
ruína, de prédio vizinho. Seu objetivo primordial é cominar pena
ao proprietário do prédio vizinho, até que cesse a situação que
fundamenta o pedido, ou a prestação de caução pelo dano iminente.[76]
Diante da situação, aquele que se sentir prejudicado, ou tiver
justo receio de sê-lo, poderá ingressar com a ação de dano infecto
para obter a sentença que reconheça uma obrigação (de fazer) do
réu para eliminar o incômodo ou (de não fazer) para que o réu
abstenha-se da prática de atos que causem o incômodo ou a situação
de risco.
Como a ação de dano infecto não possui previsão na legislação
processual, seguirá o procedimento comum ordinário ou sumário,
conforme o valor da causa, tendo como pressuposto o art. 461 do
CPC, que assim se expressa:
Na ação que tenha por objeto o cumprimento de
obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela
específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará
providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do
adimplemento.
§ 1º - A obrigação somente se converterá em perdas
e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica
ou a obtenção do resultado prático correspondente.
§ 2º - A indenização por perdas e danos dar-se-á
sem prejuízo da multa (art. 287).
§ 3º - Sendo relevante o fundamento da demanda e
havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é
lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante
justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser
revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.
§ 4º - O juiz poderá, na hipótese do parágrafo
anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu,
independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou
compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o
cumprimento do preceito.
§ 5º - Para a efetivação da tutela específica ou a
obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de
ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais
como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão,
remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento
de atividade nociva, se necessário com requisição de força
policial.
§ 6º - O juiz poderá, de ofício, modificar o valor
ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou
insuficiente ou excessiva.
Como se infere do texto legal, poderá ser imposta ao réu, de
acordo com o § 4º do
artigo acima transcrito, uma multa diária, conhecida como
astreinte, que tem por objetivo obrigar o réu a cumprir a
obrigação na forma específica, e não obrigá-lo a pagar tal multa,
por isso deve o magistrado quando for arbitrar o seu valor,
fixá-lo em valor considerável, para que o réu não veja como
alternativa mais viável o pagamento da multa, mas o cumprimento da
obrigação de fazer ou não fazer, conforme o pedido do autor.
A caução de dano infecto poderá ser requerida em
quaisquer situações em que persistam a iminência ou permanência do
dano pela execução de obra ou pelos atos praticados nos imóveis
vizinhos, mesmo depois de ajuizada qualquer ação de vizinhança.
5.3 Nunciação de obra nova
Nunciação de obra nova é uma ação de natureza cominatória,
expressa nos artigos 934 a 945 do Código de Processo Civil, e
compete, segundo o artigo 934:
I - ao
proprietário ou possuidor, a fim de impedir que a edificação de
obra nova em imóvel vizinho lhe prejudique o prédio, suas
servidões ou fins a que é destinado;
II - ao
condômino, para impedir que o co-proprietário execute alguma obra
com prejuízo ou alteração da coisa comum;
III - ao
Município, a fim de impedir que o particular construa em
contravenção da lei, do regulamento ou de postura.
Não obstante à clareza da lei sobre os aspectos contidos na
legislação processual, Sílvio Venosa comenta sobre o uso e
hipóteses dessa medida:
Cuida-se de
ofensa à posse por obra vizinha. Essa ofensa depende do exame de
posturas oficiais, de exigências impostas pelo loteador ou de
simples regras de vizinhança. A edificação em curso deve
prejudicar o prédio, suas servidões ou finalidades. Deve ser
ajuizada no curso da obra. Trata-se de ação que visa a aspectos
materiais. A obra em si. Se já terminada, não mais é cabível essa
ação. Nesse caso, a ação para desfazer a coisa é a obrigação de
fazer com preceito cominatório, pelo procedimento comum. A
nunciação é também uma ação preventiva, perante ameaça de ofensa à
posse. Cabe tanto ao possuidor direto, quanto ao indireto. Não se
nega, portanto, legitimidade ao locatário que vê o imóvel locado
ameaçado por obra próxima. A legitimidade pode ser concorrente
tanto do dono do imóvel, como do locatário, nessa hipótese.
[77]
Pontes de Miranda explica que a obra deve ter sido iniciada e não
concluída, considerando-se iniciada quando comprovado o depósito
de materiais de construção ou a abertura de fundações. Se apenas
estiver na intenção do proprietário fazê-la, não deve ser
considerada como iniciada, mas se o vizinho percebe, por exemplo,
a chegada de caminhões de pedras, e o terreno não tem capacidade
para suportar o peso, configura-se o risco. “O temor é o de pessoa
razoável diante dos fatos que já existem”.[78]
De
acordo com Professor Elpídio Donizetti, a ação de nunciação de
obra nova não traz como pressuposto a posse, motivo pelo qual não
consta no rol das ações possessórias, todavia, o uso dessa ação
permite ao proprietário ou possuidor exercitar a defesa de sua
posse, mas especificamente para impedir que a edificação em prédio
vizinho cause danos ao imóvel de sua propriedade ou no qual esteja
na posse.[79]
Luiz Rodrigues Wambier observa que o fundamento da ação de
nunciação de obra nova é o direito de propriedade, orientando que
o objetivo de tal ação é não permitir o abuso do direito de
construir. Tem o proprietário ou possuidor, segundo este autor,
por meio da ação de nunciação de obra nova, o direito de obstar a
construção capaz de interferir de maneira anormal no imóvel de que
detém a posse ou a propriedade. É meio de criar obstáculo ao
andamento da obra nociva.[80]
Cabe dizer, de maneira a conceituar, que “obra nova” não significa
simplesmente uma obra de construção, mas, além desta, qualquer
alteração em imóvel, reforma, demolição, escavação, serviços de
terraplanagem, pintura, podendo ser ainda colheitas, extração de
minérios, corte de madeira, etc. A obra deve ter se iniciado e não
ser concluída.[81]
Relativamente à legitimidade passiva, salienta-se que no pólo
passivo estará sempre o dono da obra, não necessariamente o
proprietário do terreno, porquanto há a possibilidade de
edificação em terreno alheio, observa-se, porém, que o legitimado
passivo deve ser o beneficiado pela obra.
Inobstante a possibilidade de concessão de liminar na ação de
nunciação de obra nova, havendo urgência da medida, em
determinados casos, o art. 935 do Estatuto Processual autoriza a
antecipação da tutela antes mesmo de se propor a ação, que é
alcançada por meio do embargo extrajudicial, promovido de forma
verbal na presença de duas testemunhas, devendo este ser
ratificado em juízo, através da petição inicial da ação de
nunciação de obra nova, no prazo de três dias, para que adquira
força de ato judicial, sob pena de ter seu efeito cessado.
Na
falta do embargo extrajudicial, o autor poderá mesmo assim
requerer a concessão de medida liminar através na mesma petição
inicial com que se inicia a ação de nunciação de obra nova.
Ressalte-se que o embargo extrajudicial será homologado
imediatamente apenas se houver prova documental ou testemunhal,
neste último caso, após a justificação com a presença das
testemunhas presentes quando da notificação verbal feita pelo
autor.[82]
De
acordo com o art. 936 do CPC, o pedido principal na ação de
nunciação (que é a suspensão da obra nociva e o desfazimento do
que está prejudicando o autor), pode ser cumulado com o pedido de
cominação de pena e condenação em perdas e danos.
A
finalidade principal da ação é interromper a obra danosa, motivo
pelo qual se faz necessário o pedido liminar. Sem este, a ação não
seria um remédio preventivo, mas exclusivamente curativo,
transformando-se em mera ação demolitória com respectiva
condenação do réu por perdas e danos. A cominação de pena
complementa o pedido de embargo liminar em caso de prosseguimento
na obra embargada.
Para a propositura da ação é necessária a petição inicial com os
requisitos do artigo 282 do CPC, independente de embargo
extrajudicial, podendo ser cumulado com os pedidos de cominação de
pena pecuniária e condenação em perdas e danos de acordo com o
art. 936 do mesmo Código.
Os
documentos que deverão acompanhar a exordial são: a) prova da
propriedade, posse ou condomínio; e b) documentos probatórios do
prejuízo (fotografias, plantas ou laudos extrajudiciais, etc.).
Não havendo documentos para instruir a petição inicial, poderá o
autor requerer a justificação prevista no art. 937 da carta
processual.
Após a concessão da liminar ou a homologação do embargo
extrajudicial, o oficial de justiça cumprirá a determinação do
magistrado, lavrando auto circunstanciado no local da obra,
descrevendo seu estado atual e intimando o construtor e os
operários que ali se encontram para que não a prossigam sob pena
de desobediência. A citação do dono da obra, na qual constará o
prazo de cinco dias para a resposta que será feita em seguida,
conforme reza o art. 938, e a ausência de contestação dentro do
prazo imporão ao réu os efeitos da revelia, de acordo com o art.
803.
O
parágrafo único do artigo 803 do Código de Processo Civil informa
que se o réu apresentar contestação, observado o prazo legal, será
designada audiência de instrução e julgamento.
O
artigo 940 permite ao nunciado, todavia, requerer, em qualquer
grau de jurisdição, o prosseguimento da obra, bastando que preste
caução e demonstre o prejuízo da sua paralisação, que não poderá
ser prejuízo pessoal, mas de danos que poderão ser causados à
própria obra, se suspensa.
A
caução referente à nunciação de obra nova é a mesma abordada na
ação de dano infecto, poderá ser real ou fidejussória, de acordo
com o parágrafo 1º do mencionado artigo, deverá ser prestada no
juízo de origem da ação, mesmo que esteja em grau de recurso.
Não menos importante é a previsão do parágrafo 2º do artigo 940,
que proíbe em quaisquer circunstâncias o prosseguimento da obra
quando ela atentar contra regulamentos administrativos.
5.4
Ação indenizatória
Com fundamento material no Código Civil de 2002, art. 1.299, e
embasamento processual, no CPC, art. 275, II, alínea “c”, que
dispõe sobre o rito sumário, a ação indenizatória é, quiçá, a mais
freqüente entre as ações de vizinhança.
Dispõe o artigo 1.299 do CC que “O proprietário pode levantar em
seu terreno as construções que lhe aprouver, salvo o direito dos
vizinhos e os regulamentos administrativos.”
O
CPC prevê a ação de indenização para ressarcimento por danos
causados em prédio urbano e rústico, observando-se o procedimento
sumário, independentemente do valor da causa.
Nada obsta, no entanto, que uma ação indenizatória para
ressarcimento dos danos materiais ou morais, seja cumulada com
outras ações abordadas nesse capítulo, como a ação demolitória,
ação de dano infecto ou a ação de nunciação de obra nova.