á meses atrás o Comitê Editorial desta Revista decidiu dedicar esta edição ao tema de Reforço e Reabilitação de Estruturas. Coincidência cruel do destino fez ocorrer neste momento o colapso parcial da Ciclovia Tim Maia, no Rio de Janeiro, na tarde do dia 21 de abril, com a

morte confirmada de duas pessoas, entre elas um engenheiro.

O trágico ocorrido põe em xeque a capacitação técnica do poder público para gerir o processo de contratação e fiscalização; questiona, uma vez mais, o papel do sistema CREA/CONFEA; escancara a fragilidade da engenharia nacional ao país; e, abala a credibilidade desta no exterior.

As críticas começam na concepção ou projeto básico, ao se verificar que, segundo o Manual de Projeto Geométrico de Travessias Urbanas do Instituto de Pesquisas Rodoviárias (IPR), publicado em 2009, as ciclovias de mão dupla devem ter largura aconselhável de 3m, sendo admitido, no mínimo 2,4m. O referido Manual não contempla circulação de pedestres junto com ciclovia de duas mãos. Como explicar que a iclovia Tim Maia tenha apenas 2m de largura, seja de mão dupla e também se destine a pedestres?

Acidentes anteriores de grandes proporções, como o colapso da Estação Pinheiros do METRO de São Paulo e o de barragens de rejeitos em Minas Gerais, têm demonstrado a insuficiente capacitação dos quadros técnicos do serviço público, paulatinamente desmobilizados, privatizados ou terceirizados. Em recente incêndio ocorrido em viaduto urbano, uma comissão técnica, constituída pelas Entidades líderes do setor (IBRACON, ABECE e ALCONPAT), pode constatar a reduzida equipe de servidores públicos, teoricamente responsáveis pela gestão dos inúmeros viadutos e pontes da cidade de São Paulo. Felizmente uma capacitada equipe de profissionais pode auxiliar o poder público e a estrutura será não apenas reforçada, mas também reabilitada. Detalhes sobre esse projeto são apresentados nesta edição.

Por outro lado, não parece razoável que a segurança, qualidade e durabilidade dos projetos e obras, devam ser tão dependentes de uma Fiscalização pública. A função precípua da administração pública é ser proba, ética, capaz, enxuta e eficiente. O mesmo também vale para o setor privado, quando contratado pela Administração. A segurança em si da obra é de responsabilidade exclusiva do contratado, assim como ele deve executar a obra com eficiência e rigor, seguindo as normas técnicas e as regras de bem construir.

O ideal é reduzir o peso do setor público e não tem sentido jogar sobre ele a responsabilidade pela fiscalização da qualidade dos projetos e obras. Uma vez colocado à disposição da Engenharia os recursos necessários à realização de projetos e obras, o resultado, o produto final entregue à sociedade, deve ser seguro, durável e de qualidade compatível à expectativa.

A profissão do engenheiro é considerada de “Confiança Pública”, assim como a de um médico. Nossos clientes, a sociedade, acreditam que faremos obras seguras e duráveis, ou seja, a sociedade confia ao comprar um apartamento para morar com sua família, ou transitar sobre um viaduto. Presume que aquela obra foi projetada e construída com segurança, assim como confia na medicação receitada por um médico. É inconcebível trair essa confiança precípua.

Junto com a ABECE e ALCONPAT, nosso Instituto criou, em 2014, o Programa Nacional de Redução de Riscos e Aumento da Vida Útil de Estruturas de Concreto, também conhecido como Programa Edificação + Segura, oferecendo curso de capacitação na arte de inspeção, vistoria, diagnóstico e correção de problemas patológicos.

Inscrever-se e participar desse Curso não é obrigatório, e, depende da consciência dos engenheiros e arquitetos e das empresas do setor (públicas e privadas), assim como da autocrítica de cada um com relação a seu saber. Da mesma forma é importante se juntar, voluntariamente, a Congressos, Reuniões, Cursos, Comitês Técnicos e Eventos, além de adquirir e produzir publicações, exigir Certificação de mão de obra. Enfim, é fundamental participar ativa e positivamente desse movimento de crescimento do conhecimento.

Será que basta estar presente às atividades do IBRACON? Infelizmente a história e as más ocorrências têm demonstrado que não. 

É preciso um maior controle da habilitação profissional por parte do CREA/CONFEA, que não pode habilitar na formatura, e de forma vitalícia um profissional, e, também não deveria conferir as mesmas habilitações a profissionais recém-formados e a engenheiros sêniores.

É preciso também melhorar o aprendizado da Boa Engenharia,
introduzindo disciplinas de Patologia, Diagnóstico, Inspeções, Fiscalização, Controle, Reabilitação, assim como Ética e Responsabilidade profissional e social, nos cursos de Graduação. É necessário aumentar a oferta de cursos de especialização, mestrado e doutorado, fazendo valer o conceito de Educação Continuada.

É preciso ainda ficar claro que não é correto colocar em concorrência a execução de uma obra com base em um Projeto Básico, nem escolher apenas pelo preço mínimo (Lei 8.666/93), sem distinguir entre competências. O correto é colocar em concorrência uma obra somente após existir um Projeto Executivo, que tenha sido adequadamente apropriado nos seus quantitativos.

Também não é aconselhável que o sistema de Fiscalização e Controle da Qualidade seja contratado pelo Construtor. Contratar pelo sistema “porteira fechada, tudo incluído (turn key)” pressupõe um risco enorme de insucesso. O ideal é sempre ter pelo menos 3 cabeças pensantes, com poderes equivalentes nas decisões e independentes entre si: a do Projetista, a do Construtor e a do Controle e Consultoria.

É preciso ainda um enorme esforço na elaboração e atualização do acervo de normas técnicas, como as recentemente criadas de inspeção de pontes e de inspeção predial. A ABNT NBR 6118:2014 incluiu a recomendação e importância da revisão de projeto ou avaliação técnica do projeto (ATP), que se bem empregada no caso da Ciclovia poderia ter evitado essa tragédia.

A atividade profissional do advogado se baseia nas leis e a do engenheiro, nas normas técnicas, que precisam ser corretas, atuais e, ao mesmo tempo, respeitadas nos projetos e obras. E norma não é só da ABNT, mas também do IPR, do Ministério do Trabalho, da Petrobrás, das Prefeituras, do Estado, e outras. Todas devem ser do conhecimento do engenheiro. A Lei 8.078/90, mais conhecida como Código de Defesa do Consumidor, é clara e explícita não permitindo a nenhum profissional de engenharia usar o argumento de que “eu não sabia”...

Há muito ainda por fazer. Juntos no IBRACON e nas Entidades representativas do setor, unidos e muitos, seremos mais fortes, mais ágeis e mais capazes de mudar o quadro atual. Registre-se com satisfação que apesar de todos os percalços e acidentes, ainda há muita engenharia de excelência disponível e praticada no Brasil. Vários casos de soluções para avaliação, reforços e reabilitações de estruturas de concreto são relatados nesta edição.

Vamos em frente...

PAULO HELENE
Conselheiro Permanente | Diretor de Relações Institucionais