Debate: Como solucionar a questão das enchentes em São Paulo
Os piscinões são
um "mal necessário" para cidade de São Paulo, mas não podem ser
consideradas as únicas soluções para o problema das enchentes.
É
preciso avaliar a questão das enchentes de modo mais global, com atenção
para os sistemas de Macrodrenagem da cidade (rios Tietê, Pinheiros e
Tamanduateí), e seus afluentes, por meio das bacias municipais, que
redistribuem os efeitos maléficos das enchentes. Para isso, é urgente
uma ação coordenada entre as esferas estadual e municipais, as quais
dividem entre si a responsabilidade pela gestão desses recursos
hídricos.
É o que destaca o engenheiro
Julio Cerqueira Cesar Neto,
em apresentação especial no Instituto de Engenharia.
Ele é uma das vozes da comunidade acadêmica, que tem se
mobilizado no esforço de buscar soluções alternativas aos piscinões, por
seus custos sociais e ambientais, propondo uma atuação integrada da
gestão hídrica das Bacias da Região Metropolitana de São Paulo.
Questão de
macrodrenagem
Em 1996, dez anos após o início das obras de
Ampliação da Calha do rio Tietê, pelo Departamento de Águas e Energia
Elétrica (DAEE), com financiamento do governo japonês, o
Comitê do Alto Tietê elaborou um Plano de Macrodrenagem da Região
Metropolitana de São Paulo.
Esse
plano constatou que a garantia da obra projetada em 1986,
para um período de retorno de 100 anos, já se encontrava
muito aquém dessa situação, tendo em vista o processo de urbanização
desordenada superou as previsões dos projetistas.
As autoridades, preocupadas que o governo japonês
pudesse suspender o financiamento, e com as dificuldades
para ampliar as dimensões da calha, decidiram por
manter o tempo de retorno de 100 anos e as
dimensões projetadas para a calha,
reduzindo as vazões de projeto,
através do estabelecimento de vazões de restrição
para os afluentes do rio Tietê.
Nesse ponto,
destacam-se duas áreas da bacia com características diferentes.
A parte da
bacia a montante da barragem da Penha, que ainda permitia a
aplicação de medidas de controle de uso e de ocupação do solo
através do planejamento, articulação e integração das políticas
públicas para não permitir a ocorrência de vazões maiores que a vazão de
restrição para ela estabelecida em 500 m³/s.
A outra parte, a jusante da barragem da Penha, na
qual predomina fortemente a área do município de São Paulo, não sendo
possível a adoção de políticas urbanas de ocupação do solo devido a sua
completa urbanização, só sendo possível impor vazões de restrições com o
emprego dos piscinões.
Configurada essa situação, especialmente no município de São Paulo, surgiram
os defensores dos piscinões.
O DAEE responsável pela macrodrenagem da região e
preservação do novo canal do Tietê, cumprindo plano de Macrodrenagem
aprovado pelo Comitê da Bacia, elaborou então um programa de construção de
piscinões na parte da bacia à jusante da barragem da Penha, em sub-bacias
estratégicas como a do Tamanduateí, dentro da orientação traçada.
Foram
planejados de 134 piscinões, dos quais 43 foram construídos
em nove anos, faltando 91.
Vale lembrar que a primeira experiência de
construir piscinões em áreas urbanas para solucionar problemas de inundação
em São Paulo foi o no bairro do Pacaembu, na gestão do
então prefeito Paulo Maluf. Foi construido o primeiro e único Piscinão
Coberto. O sucesso e a visibilidade alcançados, somados à decisão do Plano
de Macrodenagem de construir piscinões em alguns afluentes para proteger o
projeto da Calha do Rio Tietê, embora os fatos
fossem diferentes, entusiasmaram as autoridades da prefeitura de São
Paulo, que passaram a considerar os piscinões como única solução
para os alagamentos do município. Depois de Maluf, outras administrações
tiveram o mesmo entusiasmo.
Esse processo foi interrompido na gestão Serra sob
o comando do saudoso Antonio Arnaldo de Queiros e Silva,
que com os pés no chão rejeitou as novas propostas de
piscinões e retomou a solução tradicional
de ampliação da capacidade de galerias e canais.
Logo após seu
falecimento, no final de 2008, a atual administração municipal
retomou todos os processos novamente, a partir do ponto em que
foram suspensos no início de 2005, ignorando as
análises técnicas sobre o impacto ambiental dos piscinões, realizadas
neste período.
Assim, vive-se
hoje uma situação preocupante, em que os piscinões novamente são apontados
como a única saída para as enchentes de
São Paulo.
Solução
hidráulica x piscinão
A eliminação de obstáculos e ampliação da
capacidade das galerias sempre foram adotadas em São Paulo e se caracterizam
por permitir o escoamento das águas por gravidade aproveitando a topografia
favorável da cidade, não temos notícias de projetos com elevatória. Trata-se
de obras enterradas que não modificam a paisagem externa. Além dos custos de
construção, incluem apenas a necessidade de manutenção em com períodos
relativamente longos, a não ser quando apresentam assoreamento, e seus
custos podem ser considerados desprezíveis ao longo de sua vida útil. Não
necessitam de operação.
Já os piscinões introduzem na cidade uma
instalação de porte não desprezível, que ocupará um espaço no sub-solo já
extremamente congestionado com outras utilidades e espaço na superfície que
frequentemente necessitam de desapropriações, além dos custos de construção.
Exigem das prefeituras a implantação de sistemas permanentes para
sua operação e manutenção, custo custo não tem sido considerado na
avaliação do custo global do empreendimento, assim como deveria permitir a
comparação com outras alternativas.
Introduz a
cidade um ônus considerável, que não existia antes e que precisa se adaptar
apara conviver com ele; na realidade se trata de uma solução que para ser
adotada deveria ser bem avaliada.
Trata-se ainda de uma instalação não desejável
pelos seus aspectos sanitários negativos, considerando que a Sabesp impôs à
cidade um sistema de esgoto misto, que faz a coleta em separado, mas usa o
sistema de drenagem para completar o seu transporte até os rios, além dos
esgotos se constituírem em receptores de lixo. A única vantagem que
apresenta é a diminuição dos custos e dificuldades que possam existir para
ampliação da capacidade das galerias a jusante.
Conclui-se assim que, eventualmente, o piscinão
seja uma solução para o alagamento em alguma bacia de São Paulo, porém é
necessário uma avaliação muito bem feita em comparação com as alternativas
tradicionais. Ela resolverá um problema e
ao mesmo tempo criará outro para a prefeitura. Evidentemente,
se mantida a tendência atual de proliferação dessa solução, os ônus
resultantes para a prefeitura ficarão multiplicados pelo número dessas
instalações.
Ação
integrada
O Alto Tietê, à montante da Penha (significa
Guarulhos, Itaquaquecetuba, Poá, Ferraz de Vasconcelos, Suzano e Mogi das
Cruzes), é a única da bacia do Alto Tietê na qual ainda é possível
uma ação no processo de urbanização e tempos de concentração. A
vazão de restrição da Barragem da Penha é da ordem de 500 m³/s.
Como sempre há duas formas de mantê-la: uma delas é atuando na urbanização
da bacia ou construir piscinões.
O ideal seria uma revitalização da área por meio
da gestão metropolitana.
Houve uma
tentativa nesse sentido no governo Geraldo Alckmin, através da
Emplasa que encaminhou um Projeto de Lei à assembléia. Apesar da
timidez do PL, tentei uma mobilização em torno dele na Agência da Bacia que
presidia na época. Concluí que em face do tamanho e da complexidade
atingidos pela região, esse caminho era inviável.
Porém, com base
em outras ações que desenvolvi nesse sentido, na mesma época, e tendo em
vista que o atual governador já mostrou preocupação com essa região ao criar
o Parque Linear da Várzea do Tietê, sugiro que lidere um movimento de
articulação e integração de ações com as prefeituras desta sub-bacia no
sentido de tentar a implantação de uma política de uso e ocupação
do solo.
Essa política
atingiria também importante proteção dos cinco mananciais que compõem o
Sistema Produtor do Alto Tietê (SPAT) para o abastecimento de água da
metrópole para que não venham a se constituir em novas guarapirangas".
Sistemas de macrodrenagem:
Tietê, entre a
usina Edgar de Souza e Penha; Pinheiros e Tamanduateí
Afluentes da macrodrenagem:
Baciais Municipais
e Alto Tietê, a montante da Penha
Tamanduateí:
capacidade do
canal: 480 m³/s;
- vazão de projeto
atual 750 m³/s (ubanização além do previsto)
- vazão de restrição: 480 m³/ (manter
o canal construído e construir piscinões, para proteger a calha do rio
Tietê)
Pinheiros:
não apresenta
inundações: a capacidade da retenção é garantida pelos piscinões
dos canais e a operação adequada das bombas de recalque mantém as vazões de
projeto dentro das calhas.
Julio
Cerqueira Cesar Neto.
Foi Coordenador da
Divisão Técnica de Engenharia Sanitária Ambiental do Instituto de Engenharia
de São Paulo e Diretor Presidente da Fundação Agência da Bacia do Alto Tietê
no período de 2002 a 2006. Ocupou a diretoria de Planejamento do
Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) tendo sido o responsável
pelo projeto e criação da estrutura político-institucional para o
planejamento e gerenciamento dos Recursos Hídricos a nível nacional e
especialmente no Estado de São Paulo. Presidiu a ABES - Associação
Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, seção São Paulo.
sexta-feira, 21 de outubro de 2011
Fonte: Estadão
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