Por alguma razão que não vale a pena
aqui discutir, as pessoas se lembram de uma lei municipal conhecida como
Lei do Silêncio que reconhecendo a necessidade de se produzir barulho,
procura estabelecer limites de tolerância como se a natureza humana
tivesse algum mecanismo automático de regulagem e aceitação de barulhos.
A lei costuma ir mais longe:
Estabelecendo um padrão de comportamento, define horários de dormir
como se as pessoas fossem iguais e tivessem todas as mesmas
necessidades, hábitos e costumes.
Mas, esquecem-se que uma lei
municipal tem aplicabilidade apenas nos aspectos relacionados com as
atribuições da Prefeitura e como guardião do uso e ocupação do espaço
territorial urbano define, através da Lei de Zoneamento e da Lei de
Edificações, as atividades classificando-as em "conformes" e
estabelecendo em que "zona" podem ou não podem se estabelecer. Então divide o município em zonas,
conforme seu uso, e estabelece limitações de tráfego, de acesso,
de uso e ocupação. Desse modo, o que a Prefeitura pode, legalmente,
fazer é suspender a Licença de Funcionamento de um estabelecimento
quando uma lei municipal esteja sendo desrespeitada. Por isso, nem
sempre se consegue fazer cessar o incômodo. Um ruído, por
exemplo de um aparelho condicionador de ar, produz incômodo "sonoro"
(ruido que se ouve) e também vibração do ar (que se sente). Ambos
produzem incômodos em nós. A Prefeitura mede apenas o ruido sonoro. A
vibração da ventoinha que vem pelo ar, que chega a causar trepidação
dos vidros da janela, não é medida pela Prefeitura.
Não faz parte das atribuições da
Prefeitura resolver questões relativas ao Direito de Vizinhança.
Vale lembrar que mesmo exercendo atividade legítma, lícita com
licença, alvarás e tudo o mais o "perturbador" não tem o direito de prejudicar o
repouso ou o trabalho dos vizinhos, mesmo durante o dia.
Então, qualquer ação que se venha
a tomar chamando a Prefeitura na expectativa de que ela vai te
ajudar é totalmente inóqua (sem reultado prático) nesta questão.
Outro erro é tentar enquadrar o
incômodo provocado pelo vizinho às Leis Ambientais que tratam da poluição por poluentes
sólidos, fumaça, vapor, líquidos, gases e poluição sonora. É claro que
querendo construir uma estrada por dentro de uma Reserva Ecológica, é
preciso estabelecer limites de tolerância aos incômodos que a estrada
irá provocar a todo o meio ambiente, fauna e flora, daquela reserva,
incluindo-se o incômodo que a estrada irá causar às pessoas que, afinal
de contas, também fazem parte da fauna local.
Então, qualquer ação que se venha
a tomar chamando o IBAMA na expectativa de que ele vai te ajudar
é totalmente inóqua (sem resultado prático) nesta questão.
Perturbar o sossego
do vizinho não é só desrespeito - É contravenção penal.
Chamamos genericamente como "ruído" mas pode ser um
barulho, uma trepidação, uma vibração, um estampido ou qualquer outra
forma de propagação feita por ondas, audíveis (que se ouve) ou não audíveis
(que não se ouve), que
caminham pelo ar, pelo solo, pela água ou por componentes construtivos
como lajes e paredes.
O ruído provoca diminuição da potencialidade do
indivíduo, diminuição esta que pode ser da capacidade de concentração,
da atenção, do discernimento, da compreenção, do raciocínio e de
outros fatores do comportamento, abalando seu estado psico-emocional
causando irritação, apreensão, inquietação e outros transtorno que
quando começa pode até ser imperceptível mas que com a continuidade da
perturabação vai aumentando de forma gradativa, suave e contínua
podendo atingir níveis intoleráveis e inaceitáveis ou pior causar
traumas e lesões, algumas de difícil cura como a perda da capacidade
auditiva.
Um silvo suave, baixo e contínuo, que atua como um
ruído de fundo pode, dependendo da frequência, produzir estados
cumulativos de irritação.
Já o estrondo ou um estampido como explosões em uma
pedreira ou mesmo um estampido de uma bombinha de fogo de artifício
produz, não pelo barulho mas pela "expectativa", situação psicológica
que se apodera de qualquer pessoa que sabe que o estampido está na
iminência de acontecer e fica esperando, segurando a ansiedade,
piscando os olhos e até "afastando o olhar".
Outra situação é o receio que o morador que mora em
frente a uma agência bancária tem de que o assaltante estoure uma
dinamite no caixa eletrônico e com esta preocupação e apreensão não
consegue ter um sono tranquilo, não consegue ter sossego.
Preocupado não tanto com a fonte do ruído mas mais com
os efeitos que os ruídos provocam nas pessoas, os legisladores que
criaram o Capítulo IV da Lei das Contravenções Penais postulam que "pouco
importa que haja lei que permita o funcionamento de certas atividades
como bares, oficinas, igrejas, quadras esportivas, rodovias e que tais
atividades sejam lícitas e regulamentadas não se tem o direito de
prejudicar o repouso ou o trabalho do vizinho", que um Alvará de
Funcionamento não autoriza, não dá o direito de perturbar os vizinhos.
Posso entender que no caso do roubo a banco com a explosão do caixa
eletrônico, não importa se a polícia não consegue evitar o assalto,
mas eu tenho direito a dormir sossegado, sem sobressaltos, sabendo que
o barulho da explosão da dinamite vai ser abafado pelo isolante
acústico e deste modo meu sono não será perturbado.
O "repouso" e o "trabalho" são o esteio da humanidade, direitos
fundamentais do ser humano e é obrigação do Estado protegê-los não
permitindo a ninguém lesar tais direitos.
Outra situação é quando a água que brota pela parede da garagem, no
subsolo, apresenta coloração ou cheiro de combustível. O que costuma
acontecer são tanques de combustíveis de postos de gasolina mal
conservados e com vazamento de combustíveis. Tais vazamentos são
imperceptíveis e o combustível vazado se mistura à água do subsolo que
percolando pelo terreno pode sair no subsolo de algum imóvel. O
morador do imóvel perderá o sossego e nem vai conseguir dormir direito
pensando que aquele combustível poderá pegar fogo e incendiar os
carros estacionados na garagem.
Para não perder tempo com tortuosos caminhos da Justiça
Cível, a Lei das Contravenções Penais já tipifica como "CONTRAVENÇÃO"
e vai direto "ao que interessa" e dá garantias, por meio da Lei
9.099/95 de total objetividade jurídica à ação tutelar.
Atento a tudo isso, o legislador foi sábio e enxergou
longe, e fez com que a ação penal em tais infrações seja pública
incondicionada convocando o Estado para o procedimento policial e a
ação penal.
Aquele que se acha prejudicado pelo vizinho deve
procurar diretamente o
Juizado Especial Criminal e
não o Juizado Especial Cível para ajuizar sua
reclamação. Devemos entrender que "conforme o caso, a conduta do
sujeito lesa um interesse jurídico de tal importância que a ação penal
deve ser inicada sem mesmo a manifestação de vontade de qualquer
pessoa".
O Decreto-Lei federal no
3.688 de 3 de outubro de 1941, conhecida como Lei das
Contravenções Penais estabelece em um dos seus capítulos:
Capítulo IV
Das Contravenções
referentes à Paz Pública.
Artigo 42 -
Perturbar alguém, o trabalho ou o sossego alheiros:
I - com gritaria ou
algazarra;
II - exercendo
profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais;
III - abusandode
instrumentos sonoros ou sinais acústicos;
IV - provocando ou
não procurando impedir barulho produzido por animal de que tem a
guarda.
PENA: Prisão
simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de duzentos mil réis a
dois contos de réis.
Veja a Lei 3688 por
completo em
.
Mais uma vez repito
que não importa se o vizinho perturbador exerce atividade lícita e tem
até Alvará de Funcionamento pois a licença não dá a ele o direito de
perturbar o sossego do vizinho. Lembro também que a perturbação pode
ocorrer de noite ou de dia e que pode até ser latidos do "querido"
cachorro da vizinha.
Para garantir o
Dreito ao Sossego, a LCP prevê a possibilidade de se exigir o
cumprimento das seguintes ações:
1 - Fazer
Cessar os efeitos o uso nocivo da propriedade, isto é a fonte
da perturbação, podendo;
a -
desligar a fonte produtora de perturbação. Caso se trate de
equipamento imprescindível para o funcionamento da empresa como uma
geladeira numa sorveteria, a atividade toda deve ser interrompida.No
caso de apartamento de cima, impedir que a moradora ande de salto alto
ou as crianças deixem de jogar bola dentro do apartamento.
b - trocar
por outro meio menos perturbador. Empregar um Cravador de Estacas que
não se vale da força do impacto para a cravação da estaca ou um
compressor centrífugo ao inves do pistão.
2 - Isolar
a fonte produtora da perturbação. Cercar o motor barulhento com
isoladores, atenuadores ou amortecedores sonoros e até confinando, se
necessário, o motor dentro de um cubículo isolado. Cobrir a Quadra de
Esportes aberta. No caso do apartamento de cima, intercalar uma
película de isolamento, de atenuação ou de absorvição (dependendo do
caso) entre o piso do apartamento de cima e o teto do apartamento
prejudicado. No caso da agência bancária que pode ser assaltada com
dinamites, substituir o vidro temperado que potencializa a ação da
dinamite por elemento capaz de absorver o impacto do estouro da
dinamite
3 - buscar
Solução Alternativa para o sossego do prejudicado. Como a
perturbação é temporária (cravação de estacas, por exemplo) transferir
o domicílio do prejudicado para outro endereço, alugando uma casa ou
alojando-o num hotel.
Um bom exemplo é o
caso da pessoa que exerce o trabalho de Vigilante Noturno e, como dá a
entender a denominação da profissão, trabalha durante e noite e dorme,
como não poderia deixar de ser, durante o dia. Uma obra de construção
na vizinhança poderá perturbar o sossego do sono deste vigilante e
além do "dia mal dormido" a consequente sonolência poderá prejudicar o
exercício pleno da profissão, diminuindo a atenção, por exemplo.
4 -
Indenizar os danos causados. Consertar as trincas que
surgiram nas paredes da casa devido à trepidação do terreno causada
por equipamento da obra. Pagar a terapia necessária para o
restabelecimento do sossego que foi perturbado causando traumas. Pagar
um ano de cursinho que o vestibulando vai ter que fazer por perder o
vestibular que foi realizado no dia seguinte ao do trauma.
5 - Multa. O magistrado pode
determinar que o réu pague uma multa pelo não cumprimento da pena. A
multa tem finalidade de alcançar efeito compulsivo, a fazer cessar o
dano e está prevista no art. 287 do CPC. A forma de execução de
sentença, tambem está perfeitamente delineada nos arts. 644 e 645 do
mesmo Código, estabelecendo que "se a obrigação consistir em fazer ou
não fazer, o credor poderá pedir que o devedor seja condenado a pagar
uma pena pecuniária por dia de atraso no cumprimento, contado o prazo
da data estabelecida pelo Juiz".
Vale lembrar que "a pena
pecuniária tem semelhança com a astreinte do direto francês e
com a rebeldia a injunction, que significa o comtempt of
court do direito anglo-saxão e que além da multa pode levar a
prisão. Tem natureza, portanto coercitiva e não ressarcitória".
O valor da multa deve ser bem
fixado pois seu caráter é mesmo de pena a impedir prossiga quem viole
a ordem social com a prática de ato reprovável, que aliás nada tem a
ver com o valor a atribuir à causa.
3- ATENÇÃO:
Por fim, vale um alerta: A LCP - Lei das
Contravenções Penais resolve muitos conflitos que surgem na área do Direito de
Vizinhança mas não resolve casos que envolve danos ao patrimônio, isto é,
danos que o vizinho ou a obra dele provocou no nosso imóvel como trincas e infiltrações.
A LCP tem como objeto a pessoa, ou
melhor, o sossego da pessoa, e suas ações tramitam no
Juizado Especial Criminal, ao passo que problemas com a casa,
sobrado ou edifício devem ser tratados na Justiça Cível ou no
Juizado Especial Cível.
Também é válido lembrar que não
existe direito absoluto na comunhão social e cada pessoa, por
características próprias ou por limitações individuais como
dificuldade de locomoção, reduzida capacidade auditiva, potencial de
certas sensibilidades e até por definição de "incapaz" dada a bebês, o
direito de um se estende até onde o direito de outro começa.
Por tudo isso, ao deparar com
problemas de incômodo causados pelo vizinho procure um Médico ou um
Fonoaudiólogo ou outro profissional da área médica pois os efeitos da
perturbação deve ser claramente elencados em função do tipo de
atividade (dormir, estudar, fazer gravação, etc.) e assim caracterizar
o incômodo provocado.
Em seguida contrate um laboratório
"acreditado" que possa realizar a medição do nível de perturbação,
seja sonora (que se ouve) e que pode chegar pelo ar entrando na casa
pela janela ou passando pela parede ou laje, vibração (causada pela
rotação de um motor), trepidação (caminhão ou ônibus passando na rua)
e que chega pela estrutura do prédio.
Laboratório "acreditado" é o
laboratório credenciado pelo INMETRO e que usa aparelhos com
Certificado de Aferição.
Não basta o técnico comparecer ao
local e usando um aparelho dizer se SIM ou se NÃO há produção de
incômodos. Na maior parte dos casos deve ser feito um monitoramento,
isto é, um acompanhamento por algum período, por exemplo 1 semana, ao
longo do qual os níveis de perturbação registrado pelo aparelho possam
mostrar que, durante todo o tempo ou em períodos determinados o nível
de perturbação ultrapassa os limites toleráveis.
Devo ressaltar que os "limites
toleráveis" não são iguais para todos. Muitas vezes, para se defender,
o acusado pede o depoimento de outros vizinhos que venham a
testemunhar "contra" e fala que existe sim ruído mas que não chega a
perturbar seu sossego. Isso é um "balde de água fria" no processo. As
pessoas têm percepção e sensibilidade diferentes, em intensidade e
modo, então o que é "perturbação" para uns não é, necessariamente para
outros.
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